A pandemia do coronavírus alterou abruptamente a rotina mundial. Em vez de reuniões presenciais, os encontros são feitos à distância, intermediados por aparelhos eletrônicos. Na educação, a inovação digital, que já permitia o EAD no Ensino Superior e em parte do Ensino Médio, agora atinge a tradicional rotina dos estudantes: todas as atividades serão prestadas à distância.
Com isso, surge uma dúvida própria desses tempos: se os custos para oferecer o ensino à distância são mais reduzidos, as instituições de ensino devem, em contrapartida, reduzir as mensalidades escolares?
É preciso considerar que o coronavírus e a necessidade de quarentena é um fator superveniente aos contratos, seja de qualquer esfera. A quarentena impõe que a população altere seu modo de vida, o que implica naturalmente em prejuízos econômicos para promover a proteção da vida humana. Logo, não são apenas as economias das instituições de ensino que serão afetadas, mas de todos. Ao passo que os responsáveis pelos pagamentos terão menor capacidade financeira para pagar as mensalidades, e considerando-se que a prestação de serviço será diferenciada, é necessário pensar em medidas para garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Além disso, é preciso considerar que serão reduzidas as despesas das instituições de ensino com espaço, água, luz, alimentação; ao mesmo tempo, devem ser preservadas as relações trabalhistas.
O objetivo é claro: manter as relações contratuais, sejam trabalhistas, educacionais ou cíveis, equilibrando-as ao excepcional momento em que vivemos. O foco é na solidariedade, na capacidade de cada ser humano de exercer a alteridade, de enxergar o outro, de compreender que a luta contra o inimigo comum, o coronavírus, somente é possível se formos solidários.
Em Portugal[1] associações de instituições de ensino asseveram que os valores das mensalidades devem ser mantidos, posto que o contrato celebrado compreende o serviço prestado ao longo do ano letivo, em que foi organizada e distribuída a proposta pedagógica.
No Brasil, o cenário é semelhante. Organizadas, as instituições de ensino manifestam-se contrariamente à redução das mensalidades. Neste momento, não cogitam reduzir os valores. Se o período de quarentena, de fato, for estendido até junho, será preciso rever tal posicionamento, para garantir o equilíbrio das relações jurídicas.
A Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, recomendou que os valores das mensalidades sejam mantidos, para não promover “desarranjo nas escolas [que] já fizeram sua programação anual, o que poderia até impactar o pagamento de salário de professores, aluguel, entre outros[2]”.
O assunto será debatido mais amplamente nas próximas semanas, se for decretada a manutenção da quarentena.
Nesse sentido, debate-se, na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, projeto de lei para determinar a redução das mensalidades em até 30%, enquanto durar o plano de contingência do coronavírus. O desconto seria aplicado a partir do 31º dia de suspensão das aulas. Para as creches e instituições que não oferecem atividades à distância, o desconto deve ocorrer imediatamente após a data da publicação da proposta. Ao descumprir a norma, a instituição de ensino ficaria sujeita à aplicação de multas pelo PROCON[3].
Entendemos, contudo, que esta situação deve ser resolvida pelas partes, amigavelmente, considerando a aplicação do princípio da solidariedade. É preciso sim considerar redução no valor das mensalidades. Isso porque deve predominar o equilíbrio econômico-financeiro das relações contratuais, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Negociar ainda é a melhor saída porque a situação excepcional afetará as economias de todos os brasileiros.
*Alynne Nayara Ferreira Nunes é advogada fundadora do Ferreira Nunes Advocacia, escritório especializado em Direito Educacional. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela FGV Direito SP. E-mail para contato: alynne@ferreiranunesadvocacia.com.br.
Publicado originalmente no blog do Ferreira Nunes Advocacia em 27/03/2020.