O Dia entrevistou com exclusividade a escritora Dra Hildeliza Tinoco Boechat
Quando e como surgiu a ideia da obra “Mistanásia em tempos de Covid-19?
Pesquiso as condições de morte do brasileiro desde 2010. Em 2015 minha dissertação de mestrado foi sobre Ortotanásia, que é a morte digna e no tempo certo. Antes mesmo de concluir o mestrado, iniciei as pesquisas sobre a Mistanásia, desde 2014. O brasileiro morre muito mal, sem assistência adequada, com dores, em condições indignas e esse fato sempre me incomodou muito. Pesquisar acerca de um tema nos ajuda a dimensioná-lo, não somente no âmbito pessoal, mas na vida da sociedade, no cotidiano das pessoas. Foi quando me dei conta de que a sociedade não conhece esse fenômeno e, quando faz contato com a realidade, prefere não discutir, pois dói menos não saber maiores detalhes. A mistanásia é a morte miserável de pessoas anônimas, que não conseguem se defender por si sós; pessoas que lutam para *(sobre)viver* em um mundo cada vez mais desigual e competitivo, que não oferece espaço aos marginalizados, aos excluídos. As estatísticas da morte cruel e miserável são alarmantes, sendo uma realidade cruel e crescente no Brasil e em outros países da América Latina. São centenas de milhares de brasileiros morrendo anualmente por causas banais, evitáveis. Há crianças no Brasil morrendo em razão de diarreia; mais de 300 mil pessoas morrem anualmente de gripes, pneumonia e tuberculose; mais de 40 mil morrem vitimados pela violência do trânsito – de forma exemplificativa. Isso, sem falar das mortes por infarto e outras doenças cardiovasculares que matam anualmente mais de 100 mil brasileiros, além de cenas de violência doméstica, feminicídio, preconceito e outros sérios problemas como o suicídio (que já se tornou uma questão de interesse público).
Como foi desenvolver um tema tão recente? Quais obstáculos para esta produção científica com um assunto inovador?
Desenvolver este tema foi prazeroso, pois o pesquisador estabelece uma relação de pertencimento com a temática que estuda. Muitas vezes me surpreendi, pois os dados que encontrava, na medida em que pesquisava, eram muito diferentes daqueles esperados. Por exemplo, quando chegamos a 100 mil mortes por Covid-19, percebi que esse número representava 1/3 das mortes anuais no Brasil completamente rotineiras em razão de gripes comuns, pneumonia e tuberculose. Esta estatística demonstra que o maior desafio no Brasil não é a Covid. Solidarizo-me com todas as vidas por ela ceifadas, pois cada pessoa é única e uma perda é suficiente para uma família e às vezes, uma cidade inteira prantearem. O que chamo à atenção é para o fato de que a Covid, por seu caráter transitório, chegou e vai passar, entretanto, a Mistanásia é uma situação rotineira, uma realidade do cotidiano que somente será enfrentada com sérias medidas e instrumentos eficazes adotados por meio de políticas capazes de minimizar ou mesmo solucionar a questão.
Os obstáculos se devem ao fato de muitos olharem o título e não saberem do que se trata. Quando as pessoas tomam conhecimento da natureza do estudo, sentem-se atraídas a lerem o conteúdo.
O que a senhora espera que essa obra acrescente à vida dos leitores?
Informação e atitude. Essas são duas premissas sobre as quais o exercício da cidadania se firma e se efetiva. As pessoas não sabem o que significa Mistanásia, não se dão conta de quanto esta realidade degrada a imagem nacional. As cenas de violência no cotidiano são tão corriqueiras, que já nos acostumamos a assistir nos telejornais, às vezes, com relativa frieza ante as notícias dos desastrosos fatos que nos são apresentados diariamente.
Este assunto vem despontando como um tema a ser discutido em âmbito nacional, internacional e local. Espero, após a pandemia, ter oportunidade de levá-lo à discussão em vários segmentos da sociedade, além de escolas e universidades que se despertarem para a importância social e abrirem-se para este debate. Saliento que já temos discutido no âmbito da universidade, por meio de atividades desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana (Gepbidh), que coordeno desde 2010, cujos congressos têm sido direcionados ao estudo da dignidade no momento da morte humana e não apenas durante a vida (este ano foi a 10ª edição do Congresso Interdisciplinar Direito e Medicina).
Abordo a temática em congressos nacionais e internacionais desde 2017, ontem mesmo gravei participação em um congresso internacional (Chile) sobre fome, miséria e mistanásia, promovido pelo “Instituto Internacional de Derechos Humanos de la America Latina”, título: “Hambre, miseria y Mistanasia” para o evento que ocorrerá no início de dezembro.
Como e onde comprar a obra Mistanásia em tempos de Covid-19?
Pela internet, diretamente no site da Amazon e livrarias associadas (disponível em livro físico e linha Kindle) e no site da Editora Encontrografia.