“Foi definitivamente um tratamento humilhante para mim e muuuitos outros participamos. Claro que pra realização de qualquer sonho existe sacrifício, só que sacrifício não é sinônimo de humilhação.” Desta forma que o itaperunense Beto Lomeu definiu sua participação na primeira fase das audições do XFactor, novo programa de calouros da Rede Bandeirantes, que aconteceu neste final de semana, na Arena Corinthias, em São Paulo.
Além de Beto, a região Noroeste do Rio foi representada por mais três participantes: Thaís Madureira, de Italva, Karol Vasconcelos, de Natividade e Natanea Maeta, de Itaperuna. Todos eles revoltados com a forma que foram tratados pela produção do programa.
O que era o começo de um sonho, logo no início, se transformou em raiva e muita revolta. De acordo com os participantes, foram cerca de 40 mil pessoas que ficaram horas na fila. Apenas seis banheiros químicos transbordando urina e fezes. Faltou água e comida. Durante o dia tiveram que ficar debaixo de um sol escaldante e, à noite, muito frio. Amigos e parentes não puderam entrar no Arena. Houve furtos e ainda tiveram que deitar no chão para descansar um pouco, pois não tinha cadeiras. Diversos participantes usaram as redes sociais para criticar o programa.
Em uma carta aberta publicada nas redes sociais, a participante Nathália Luize, da cidade de Baldim, interior de Minas Geras, descreveu, com riqueza de detalhes, seus piores momentos neste final de semana em SP.
“Foi desumano, foi degradante, foi humilhante, foi o inferno. Só quem estava lá sabe o que eu estou falando. Hoje, não queremos nada além de JUSTIÇA”, disse Nathália que, junto com outros participantes, está se mobilizando e recolhendo depoimentos, vídeos, imagens e nomes e documentos de outros participantes que se sentiram humilhados para entrar na justiça e conseguir com que os responsáveis sejam punidos.
“Não podíamos beber água porque depois teríamos que usar os banheiros químicos, tão sujos que eram inutilizáveis. Tinha gente do Rio, de Chapada Diamantina na Bahia, do Piauí, que não comia desde o dia anterior e a produção não autorizou a saída para comprar comida. Fomos tratados de jeito desumano”, disse Isa Bruder que passou na primeira fase e, após esperar por cinco horas no dia seguinte, para a segunda fase, desistiu de participar do programa. “Quando fui embora, estavam escutando a senha 500. Eu era a senha 4111. Cheguei em casa com dor nas costas, com os olhos ardendo de sono e até com o rosto vermelho”, disse.
Para a italvense Thaís Madureira, de 23 anos, a produção estava despreparada. “Eles não estavam preparados para receber a quantidade de gente que tinha no local. O despreparo ficou nítido”, disse.
Já a natividadense Karol Vanconcelos, de 18 anos, disse que “o povo estava vaiando, porque estávamos cansados, debaixo do sol forte e insatisfeitos com a demora”.
Mas nem tudo foi só decepção. “Tirando os problemas, eu agradeço pela experiência, por ter conhecido pessoas maravilhosas e ter aumentado muito a minha confiança”, finalizou Beto.
Solicitamos uma posição da Rede Bandeirantes de Televisão, mas até o momento não nos deram retorno.
Lei abaixo, duas cartas abertas de participantes que foram publicadas nas redes sociais:
————————————————————————————————————-
CARTA ABERTA NÚMERO DOIS: PORQUE EU PASSEI NO X FACTOR E DECIDI IR EMBORA.
Querida BandTV, TNT e X Factor Brasil,
Meu nome é Nathália Luize e eu sou da cidade de Baldim, interior de Minas Gerais. Gostaria de contar publicamente a experiência que vocês proporcionaram a mim (e a mais 30 mil pessoas de acordo com o site, 40 mil de acordo com participantes) nos dias 09 e 10/07/2016, me faltam palavras. Após fazer minha inscrição para o programa The X Factor Brasil, abri meu email na quarta feira, 06/07, e me surpreendi ao ver a convocação para a primeira audição do programa. Fiquei emocionada, haja vista que, não somente pra mim, mas creio que para todos os inscritos que tiveram que enviar vídeos cantando no ato da inscrição, teríamos passado em uma triagem e sido selecionados pelo talento. Então, chamei o meu pai e contei que havia sido selecionada para a audição que aconteceria três dias depois, na Arena Corinthians, em São Paulo. Meu pai, por sua vez, como o maior apoiador dos meus sonhos, se prontificou a arrumar o dinheiro para tornar minha ida a São Paulo, acompanhada da minha mãe (na convocação pediram que os convocados levassem familiares e amigos), possível. E assim ocorreu. Peguei um ônibus para Belo Horizonte (que fica há mais ou menos duas horas da minha cidade) e às 22:00 do dia 08/07 saí de Belo Horizonte rumo à São Paulo, capital. Chegando no local das audições por volta das 7:30 da manhã, após ter pego dois metrôs, me deparei com uma multidão incalculável. Começaria ali o meu inferno na terra, que foi a definição que eu mais ouvi de outros participantes. Algo desumano, degradante.
O frio beirava sete graus e a sensação térmica era quatro graus, mas o sentimento era de que isso não importaria perante as outras dificuldades que teríamos que enfrentar. Eu estava certa. Vi uma fila enorme e comecei a conversar com outra participante, que me avisou que aquela fila não era pra entrar pra audição, mas que era pro banheiro. Eu contei: seis banheiros. Três pra mulher e três pra homens, mas acabaram sendo coletivos. Seis imundos banheiros químicos transbordando de urina e feses. Voltei para a fila certa, incalculável, no final, claro e enfrentei o frio da manhã. Porque após, já a tarde, o sol chegou e o termômetro marcou 35 graus. Frio, calor, em pé, com sede, com fome. O pior foi ficar em pé olhando para aquele estádio enorme na nossa frente, onde poderíamos estar sentados, sei lá, era tanta coisa errada, tanto descaso. No email de convocação pediram para que os convocados levassem lanche, mas não café da manhã, almoço e janta. Não tinha nada ainda sendo vendido no local, quando comerciantes ficaram sabendo do evento, correram pra lá e era um absurdo. Água: R$5,00. Cachorro-quente: R$7,00 (salsicha, pão, milho, batata). Churrasquinho: R$9,00. Enfim… não tinha outro jeito. Passei mais de 14 horas no caracol (fila) do lado de fora do estádio, ainda sem adentrar no mesmo. Catorze intermináveis horas.
A fila não era chamada de fila, mas sim caracol, porque fazia zigzag. Ora, qualquer ser humano sabe que, a maneira mais fácil de ligar um ponto a outro é uma linha reta. Mas o formato da fila perto da falta de educação da produção e dos seguranças era pequeno. Por volta de 22:00 começaram a nos distribuir algumas águas, e surpresa! As águas estavam vencidas. Peguei uma que tinha vencido em janeiro. Mas a sede era tanta e a situação era tão deplorável que ninguém poderia se dar ao luxo de recusar. O calor foi embora, e, após, o frio veio novamente.
Tenho que fazer uma ressalva no ponto em que a situação começou a ficar crítica, a fila de um caracol foi desfeita e pessoas começaram a furar a fila. A noite, por volta mais ou menos de 21:00 (desculpe não lembrar os horários certos, pois perdemos além da dignidade, a noção do tempo), tendo como senha o número 4587 adentrei no estádio e, ”perai”, mais uma surpresa! Dessa vez, teríamos que sentar ou deitar no chão (porque sinceramente ninguém tinha mais forças pra ficar de pé) e esperar que chamassem-nos pra audição. Começaram a chamar de 100 em 100, ou seja: senhas de 0 a 100, 100 a 200 e assim por diante. E meu Deus, eu era a 4587! E pior, tinham pessoas que nem sequer haviam pego a tal da senha ainda!
Você deve estar se perguntando onde esteve minha mãe esse tempo todo… do meu lado, claro. Mas só enquanto eu estava fora do estádio. Porque, surpresa 3! A mesma produção que pediu para que fossemos com familiares e amigos, não permitiu que eles entrassem. Graças a Deus minha mãe só teve que deitar no chão e ser humilhada por seguranças e produtores, porque teve muita gente que foi assaltada lá fora!
A situação era tão precária que, os participantes começaram a se unir, e aqui, devo citar alguns nomes: Priscila e Lucas de Anápolis, Goiás, Marcus Vinile de Belo Horizonte, Juninho do Paraná e outros participantes do RJ, como o Caio, o Beto, o Derf, etc. meu muito obrigado! Dividimos comida, bebida e usamos a força que nos restava para nos apoiarmos e não desistirmos. Estávamos preparados para um teste musical, mas acabamos fazendo um teste de sobrevivência. Admiro cada um que aguentou.
Voltando, em meio a pessoas dormindo no chão, se cobrindo com case de violão, passando frio, fome, sede, vontade de ir no banheiro, fui chamada pra minha audição. Devo destacar que nesse ponto minha voz já não estava tão boa devido a forma de tratamento a que fomos expostos.
Haviam algo em torno de 18, 20 cabines de plástico, chamadas de tendas, onde ficavam os ”jurados” que em sua maioria não eram técnicos musicais. Eu tive a sorte de fazer o teste sozinha, porém, muita gente entrou pra fazer com três, quatro pessoas… O cronometragem era a mesma: 30 ou 40 segundos para você cantar uma ”música” e receber o feedback da primeira audição. Assim o fiz e passei. Vocês acham mesmo que eu saí de lá feliz? Contente? Eu estava acabada, cansada, humilhada, degradada, violada. Não sei de onde tirei forças para fazer a segunda fase. Aliás, sei: Deus, minha mãe e as amizades que consegui fazer ali.
É importante frisar nesse ponto que as pessoas que não passaram receberam um carimbo na mão da cor preta com um X bem grande, que não saía com água, marcados como bois. Como se já não tivessem sido humilhados o bastante.
Eu voltei pra segunda fase, a qual eu chamo de: segunda parte do inferno na terra ou melhor, toma aqui o seu diploma de retardado!
Pediram pra quem passou ir maquiado e com roupa de show. Pra que? Pra derreter no sol esperando mais umas 10 longas horas. Encontrei os amigos de GO que tinha feito um dia antes e lá fomos nós novamente. Me lembro que uma hora, olhamos um pra cara do outro, sem assunto, sem vontade, sem força, deitados no chão com um papelão de travesseiro e só consegui dizer: estou no meu limite. Acho que todos ali sabiam que já tinham passado do seu limite, menos a produtora da Band! Essa produtora que tinha sotaque de outro país berrava no microfone quando a apresentadora do programa chegou para tirar suas lindas fotos em cinco minutos (os excelentíssimos senhores jurados também fizeram isso na primeira audição, passando por um tapete vermelho). Pausa: o programa postou uma foto deles com a seguinte legenda ”abram alas para a realeza” ou algo do tipo. Me dá tanto nojo que só de lembrar meu estômago embrulha. Retomando, o discurso da produtora com sotaque estrangeiro era o seguinte: ”GRITEM THE X FACTOR BRASIL! APLAUDAM A FERNANDA PAES LEME! ENQUANTO NÃO FICAR BOM PRA CÂMERA NINGUÉM VAI ENTRAR! NÃO FICOU BOM ANDEM LOGO E FAÇAM DE NOVO!” Deus, como era humilhante, como era revoltante ouvir aquilo… parecíamos escravos. O que mesmo que todos nós, cantores profissionais ou aqueles aspirantes, ambos carregando esse sonho dentro de si, estávamos fazendo ali? Quando na fila para a segunda audição, um senhor de terno, que estava dentro do estádio e já havia passado, falou com a gente que foi convidado pela Band e que não, não tinha enfrentado fila não! Mas óbvio que não era só ele, a gente já tinha visto ”famosinhos” entrando pelo outro lado da arena, etc. Metade do elenco escolhido convidado pela emissora. Nós? Nós éramos os otários figurantes, usados apenas com intuito de aumentar ibope. Eu tava caindo em mim. Fantoches. Enfim, naquele ponto estávamos ali mais pela honra de não desistir do que pela audição em si. E a gente ia se avisando: faça o seu melhor mas saiba que você não irá passar. Tudo é comprado. É tudo fake. Você, que está lendo esta carta, que estava lá ou não, faça um favor a todos os brasileiros que passaram por essa situação: não assista Band, não assista esse programa, não se iluda com a falsa felicidade transmitida pela televisão e não ache que aqueles candidatos (a maioria) passaram pelo que a gente passou. Eles não fazem parte dos mais de 30 mil humanos tratados como lixo (porque animal é melhor tratado) naquele lugar.
Eu não consegui ir embora até hoje pra minha casa, pois domingo a noite eu mal conseguia andar. Fiz uma conexão na cidade da minha avó que é em Minas também, mas é mais perto de São Paulo. Eu dormi no ônibus vindo pra cá e tive pesadelo com o ocorrido e acho que terei por um bom tempo.
Rick Bonadio, Alinne Rosa e Di Ferreiro, vocês perderam meu respeito não terão ele de volta enquanto participarem de um projeto sujo como esse.
Eu vi gente desmaiando de ensolação, gente passando mal de fome. A mesma gente talentosa que os jurados nem sequer tiveram a humanidade de olhar pra cara na audição. Eu vi gente sendo assaltada e dormindo no chão. Eu estou me incluindo nessa gente. Agradeço a Deus por ter conhecido tanta gente boa, acredito que fiz amigos de verdade.
Através dessa carta eu me prontifico a doar meu tempo recolhendo nomes e documentos para que possamos ajuizar uma ação coletiva contra a TV Bandeirantes e demais responsáveis. Eu imploro, para que as mesmas pessoas que eu vi se unindo dividindo comidas, bebidas e cobertas se unam mais ainda agora para que possamos recuperar nossa dignidade, correndo atrás dos nossos direitos.
Eu, juntamente com outros participantes estamos nos mobilizando e recolhendo depoimentos, vídeos, imagens e nomes e documentos das pessoas que também foram feridas acerca da sua dignidade como humanos, para que possamos reunir um número gritante de violados e conseguir com que os responsáveis sejam punidos. Estamos com vários grupos, nos ajude através do whatsapp: (31)997718372. Ainda vou gravar um vídeo explicando as medidas que iremos tomar, mas adianto que o motivo principal é um só: não somos lixo.
Não desistam dos seus sonhos, mas não se sujeitem a passar por essas situações. Ninguém merece isso. E eu também ”me recuso a participar de um programa que não valoriza os participantes que o tornam possível…”
Foi desumano, foi degradante, foi humilhante, foi o inferno. Só quem estava lá sabe o que eu estou falando. Hoje, não queremos nada além de JUSTIÇA.
Peço para que todos compartilhem, para que outras pessoas saibam o que nós passamos.
CARTA ABERTA: PORQUE EU PASSEI NO X FACTOR BRASIL MAS DECIDI IR EMBORA
Por Isa Bruder.
Querida BandTV e X Factor Brasil:
Foram, ao todo, mais de 12 horas em pé na fila completamente desorganizada fora da Arena Corinthians ontem. De manhã muito frio, depois o sol do meio dia chegou e ficou até o fim da tarde. Mais de 30 mil pessoas aglomeradas sem organização da produção, pois vocês não assistiram os vídeos das audições e todos que se inscreveram vieram. Passamos o dia esperando minha vez para cantar alguns segundos. Quando chegou minha vez já era meia noite, e quando a produtora me convidou a participar da próxima fase – sendo que seria no dia seguinte, mesmo lugar em menos de 7 horas – aceitei porque cantar é meu sonho. Dormi 3 horas, dirigimos até Itaquera de novo e esperamos lá – 9 graus às 7 da manhã. Não podiamos beber água porque depois teríamos que usar os banheiros químicos, tão sujos que eram inutilizáveis. Obviamente sem sono depois de um processo desgastante, estar desidratado prejudicou muitos candidatos. Tinha gente do Rio, de Chapada Diamantina na Bahia, do Piauí, que não comia desde o dia anterior e a produção não autorizou a saída para comprar comida. Tinha uma moça que torceu o pé durante o processo, estava sendo atendida na ambulância e depois foi barrada de entrar porque perdeu a hora de entrada. Não sei se ela conseguiu entrar no final. Nada foi fornecido, só água no local de espera – onde eu e meu pai entramos somente depois das 9 da noite. Aguardamos no chão sujo para no fim nem entrar nas cabanas de audição – cantei para uma produtora ao ar livre no ponto de check in. Band, sua produtora que me ouviu cantar foi muito educada comigo. Valorize não somente os artistas mas seus produtores pois eles estavam cansados também, e ninguém teve o bom senso de deixar eles e nós descansarmos. Fomos tratados de jeito desumano. Enquanto esperava ainda fora do estádio (porque não podíamos esperar em um lugar fechado, com assentos, que estava bem na nossa frente) para cantar a noite, li um post da apresentadora agradecendo o primeiro dia de audições. Será que não ficou claro o desrespeito que aconteceu e segue acontecendo? Hoje fui embora da fila, depois de 5 horas embaixo do sol escaldante de novo. Quando fui embora, estavam escutando a senha 500. Eu era a senha 4111. Cheguei em casa com dor nas costas, com os olhos ardendo de sono e até com o rosto vermelho. Sua equipe de produção ameaçou atrasar o começo do processo de audições hoje porque não conseguiram filmar vídeos de nós animados, pulando e celebrando o X Factor. Por que será?
Eu passei na audição e escolhi ir embora.
A vida de um artista aspirante já é cheia de obstáculos, não é necessário que por desorganização absoluta isto seja elevado a um grau inaceitável. Havia mães na fila comigo, com bebês menores de seis meses. Tinha um senhor de uns 80 anos. Fomos instruídos a “vestir para impressionar”. Fomos convidados a trazer amigos e família, mas depois eles foram proibidos de entrar se o participante não fosse menor de idade. Por que? Porque vocês sabem que sonho é sonho, e que ninguém vai reclamar ou ir embora. Me recuso a participar de um programa que não valoriza os participantes que o tornam possível. Mais respeito com seres humanos por favor.