A Turma da Linha Cruzada

Muito antes da chegada da internet por aqui, já tínhamos a nossa forma peculiar de usar as redes sociais online. Muitos nem devem se lembrar (ou sequer saber) que, em meados da década de 1980, existia a divertida Turma da Linha Cruzada, os grandes precursores do que viria a ser o Orkut ou o Facebook.
Bocão, Penélope Charmosa, Falcão Negro, Smurfete e Drops de Anis. Esses eram somente alguns dos nicks da antiga Turma. Jovens que aproveitavam os prefixos das linhas com defeito da operadora Telerj para criar grupos de bate-papo através dos telefones fixos ou os públicos – os conhecidos “orelhões”.

Acessar a linha cruzada não era uma tarefa muito fácil. Os integrantes precisavam descobrir qual prefixo estava com defeito para a brincadeira ter êxito. E se alguém atendesse do outro lado, babau. Por isso, as linhas cruzadas ficavam mais congestionadas após às 22 horas, direcionadas para algum número comercial, já que ninguém atendia após esse horário. Entre o intervalo de uma chamada e outra, abria-se a linha e a comunicação. Era algo bem arcaico e confuso, já que muitas vezes havia mais de 20 pessoas na linha e ninguém entendia o que o outro dizia, como uma verdadeira Torre de Babel.
Para não serem descobertos – como se naquela época tivesse tecnologia disponível para isso – as pessoas usavam pseudônimos. E ainda existia a combinação das pedras preciosas onde, cada número correspondia a um elemento, como por exemplo 2=ouro, 3=safira, 4=rubi, 5=diamante. Essa era a forma de criar um flerte online e passar o número de seu telefone através desse código. Algo bem CSI.
Os papos da linha também tinham muita “pegação”, prelúdio dos futuros Tele-Sexo e Bate-Papos Eróticos onde as pessoas sentiam-se atraídas somente pelo tom de voz e, obviamente, pela lábia. Apps como Tinder e GrindR, com o “cardápio” sendo apresentado através de fotos apetitosas, era algo bem longínquo para a época, dignos de um filme de ficção científica.
A Turma da Linha Cruzada não ficava presa somente no mundo virtual. Todos os meses eram realizados encontros que variavam de local, como o drive-thru do Bob´s da Tijuca, o Norteshopping ou a pista de skate do Rio Sul.
Tínhamos um fator de desenvolvimento quase zerado. Bloquear alguém era só tirar o telefone do gancho. Comparando com a nossa época atual, sinto que era muito mais divertido poder sonhar. A inovação estava baseada na criatividade social.
É triste constatar, mas a tecnologia acabou matando as relações.
Leandro Faria
Marcos Araújo é formado em Cinema, especialista em Gestão Estratégica de Comunicação e Mestre em Ciências em Saúde. Nas horas vagas é vocalista da banda de rock Soft & Mirabels, um dos membros da Confraria dos Bibliófilos do Brasil, colunista do Papo de Samba e um dos criadores do grupo carnavalesco Me Beija Félix.
A opinião dos colunistas não representa necessariamente a posição editorial, sendo estes livres para se expressarem de acordo com suas ideologias e opiniões.
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