Em um país com dimensões continentais, como é o Brasil, as metrópoles compõem uma parte muito pequena do território, mas é nesses centros que se concentram os grandes negócios e o maior contingente da população. Dados recentes do IBGE revelam que mais de 30% dos brasileiros (66,5 milhões de pessoas) residem em cidades com mais de 500 mil habitantes (apenas 48 dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros).

O mercado publicitário acompanha a mesma lógica. De acordo com o Censo das Agências 2019, levantamento realizado anualmente pela Operand, 62% das agências brasileiras estão sediadas em capitais e regiões metropolitanas e apenas 38% estão no interior. A localização, no entanto, não altera os desafios enfrentados pelas empresas. O estudo revela que as principais dificuldades são as mesmas, mas tendem a se acentuar entre as agências de pequeno porte.

“A dificuldade das agências do interior é a mesma das pequenas agências da Capital”, confirma o presidente do Sindicato das Agências de Propaganda no Rio Grande do Sul (Sinapro-RS), Fernando Silveira. Ele pondera, no entanto, que as agências do interior enfrentam uma limitação maior tanto em relação aos recursos financeiros e de capital humano como para expandir suas operações.

Existem dois pontos que Silveira destaca, nesse sentido. O primeiro é que, muitas vezes, as agências do interior são contratadas por empresas locais até que esses clientes incrementem suas operações e acabem buscando prestadores de serviços em comunicação sediados nas capitais. “Quando a agência consegue fazer o cliente aparecer e crescer, ele segue a tendência de contratar grandes agências”, afirma.

Localização das agências
38% interior
62% capital e região metropolitana
Fonte: Censo das Agências 2019 | Operand

Modelo de negócios ajustado à crise
Silveira avalia que a grande vantagem das agências que atuam no interior é a estrutura de custos mais enxuta. E essa característica tem sido fundamental para o enfrentamento dos efeitos decorrentes da crise econômica. De maneira geral, todos os gastos são menores nos municípios mais afastados dos grandes centros.

“Tudo é mais em conta, desde os custos fixos e com pessoal até os gastos locais (com equipamentos, deslocamento e compra de mídia, por exemplo)”, descreve. O orçamento dos clientes também costuma ser mais modesto, exigindo que as agências se ajustem à verba sem comprometer o resultado entregue. O resultado é a composição de equipes menores e mais versáteis. “O diretor de arte é o mesmo que faz a fotografia”, exemplifica.

Outro fator que ajudou essas agências no período recente foi a mudança na estrutura de custos das empresas que contratam serviços de publicidade. Com o orçamento reduzido para comunicação, muitas companhias passaram a procurar agências mais próximas e que conseguissem oferecer preços mais competitivos. “A crise para negócios menores é uma grande oportunidade para dar um impulso”, frisa Silveira.

O presidente do Sinapro-RS analisa que os últimos anos levaram a uma revisão no modelo de negócios na área publicitária, o que, somado a uma melhora de confiança na economia, pode resultar em crescimento para as agências de comunicação. “Teve um período em que os clientes pregavam a segmentação das entregas, tinham sete e oito fornecedores. Isso não funciona; dá uma falsa impressão de que se tem muitos talentos”, contextualiza. “Agora, os clientes estão unificando os trabalhos e confiando mais nas agências. As empresas voltaram a buscar grandes ideias, de forma organizada.”

Essa tendência alimenta o otimismo de Silveira, que projeta mais oportunidades para as agências do interior, pelo fato de elas conseguirem “observar modelos de negócios e adaptá-los à própria realidade”.

Educação e qualificação ainda são desafiadores
A contratação de profissionais ainda é um desafio para as agências do interior. “Não é raro levarmos até seis meses para contratar um profissional”, revela o diretor de planejamento da Forza Comunicação, Oscar Mafessoni. Sediada em Passo Fundo (RS), a Forza é certificada como uma das melhores empresas para se trabalhar pela Great Place to Work (GPTW).

“Temos muita dificuldade de contratar e geralmente precisamos investir de seis a 12 meses em nivelamento para que os novos contratados atinjam o nosso padrão”, afirma Mafessoni. A limitação dos investimentos dos clientes é um dos fatores que impede “a agência de trazer profissionais de outras praças ou mesmo de remunerar como gostaríamos os profissionais que hoje fazem parte da equipe”.

Para contornar a deficiência de profissionais com experiência, Mafessoni conta que, muitas vezes, contrata “profissionais com boa vontade e disposição para o desafio e os ajudamos a descobrirem seus talentos”. “Investimos constantemente em treinamentos e cursos de desenvolvimento pessoal e técnico.”

Mesmo quando as agências conseguem localizar candidatos com bons currículos, nem sempre encontram pessoas com vivência e prática na área, comenta João Felipe Alende, sócio-administrador da Oigalê Publicidade, de Santa Maria (RS). “Já tivemos muitos problemas nessa questão. Sempre quando abrimos alguma vaga nos deparamos com profissionais pouco motivados.” Quando abre processo de seleção, a Oigalê divulga as vagas nas redes sociais ou busca indicações de profissionais que já atuam no mercado.

No Interior, a busca de profissionais é um pouco diferente, acrescenta André Lima, sócio e diretor de criação da Agência Batuca, que tem matriz em Bento Gonçalves (RS) e uma unidade em Porto Alegre (RS). “É mais difícil”, admite. “Quando abrimos uma vaga em Porto Alegre, recebemos, às vezes, cem pessoas interessadas para uma vaga. Em Bento, aparecem 20 pessoas.”

A Batuca foi criada em 2012 e cresceu rapidamente. “Em dois anos, passamos de dez pessoas para 25 pessoas na equipe, e, hoje, somos 44”, dimensiona Lima. “No meio do caminho, enfrentamos a escassez de equipe, numa região que não é tradicional na formação de publicitários.”

Por conta disso, desde muito cedo, a agência abraçou pessoas de fora. Cerca de 40% dos profissionais não são nem do Estado, detalha Lima. São pessoas que vêm de Santa Catarina, Paraná, Maranhão, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. “Foi um movimento que achamos interessante, porque trouxe uma coisa mais multicultural. Tem do país inteiro.”

Apesar disso, Lima revela que é um processo complexo, pois envolve uma adaptação mais complicada. “Não é só adaptação a uma nova empresa, é uma mudança de cultura, temperatura, comportamento etc.”, elenca. “Isso impacta no tempo de adaptação. É um processo muito artesanal, diferente de uma capital.”

A dificuldade de contratação no interior já foi mais acentuada no passado, quando a oferta de cursos (presenciais e à distância, tanto na graduação quanto na especialização) era menor, avalia o presidente do Sinapro-RS. “Eu acho que, hoje, as pessoas têm mais condições de se educarem à distância do que antes. Na criação, um estudante pode ter acesso a bons trabalhos pela Internet e consegue saber tudo que aconteceu em Cannes”, demonstra.

Fernando-Silveira – Presidente do Sinapro-RS

Mar calmo nunca fez bom marinheiro
“Quem está acostumado a enfrentar crises todos os dias acaba tendo que se transformar em especialista”, resume Mafessoni, que fundou a Forza Comunicação, em 1.999. A agência foi criada depois que ele identificou a escassez de serviços especializados no mercado publicitário de Passo Fundo. Havia poucas agências com profissionais graduados, e a maioria delas eram apenas agências de vendedores de propaganda.”

Acreditando na qualificação do segmento, apostou em um modelo de agência que entregasse planejamento, criação e integração de ferramentas. “Antes de abrir a agência eu iniciei minha primeira pós-graduação na ESPM e passei um ano mergulhado em tudo o que aparecia sobre gestão e comunicação. Com o que eu via, ficava mais marcante o gap que tínhamos na região.”

Desde a abertura da Forza até hoje, já se vão duas décadas enfrentando dificuldades que se perpetuam na região. A questão financeira, por exemplo, sempre foi desafiadora no mercado local. “Aqui no Interior as verbas sempre foram muito pequenas, e para atender bem o cliente é necessário correr atrás, e isso quer dizer ser criativo de verdade, resolvendo problemas com o que é possível.”

Quando a agência iniciou as atividades, o mercado se sustentava, principalmente, da venda de anúncios. “Mas eu entendia que só propaganda não era suficiente para fazer a diferença. Era preciso entregar mais, ajudar o cliente a entender o mercado, criar oportunidades com base no planejamento estratégico e usar ferramentas como assessoria de imprensa da forma correta”, conta.

“Para isso, a gente sempre bancou a qualificação da equipe como principal diferencial, porque se o designer também entende de marketing, por exemplo, a entrega dele fica muito mais qualificada”, acrescenta. A Forza banca parte do MBA dos colaboradores e tem essa prática como política permanente de qualificação de pessoas. Atualmente, a maioria dos clientes da agência são de cidades das regiões Norte do Rio Grande do Sul e Oeste de Santa Catarina.

Atuando há 20 anos no mercado regional, Mafessoni elenca três desafios principais das agências instaladas no Interior: “atrair clientes com vontade de crescer junto com a agência, contratar profissionais qualificados ou com perfil comportamental adequado e manter os profissionais formados internamente”.

Ele pondera, no entanto, que estar em uma região que cresce muito acima da média nacional favorece a agência. “Temos a vantagem de atuar numa área onde diversos setores prosperam.” Esse cenário leva a uma ampliação da base de clientes locais, mas esse crescimento nem sempre se traduz em aumento efetivo dos investimentos e da qualificação do mercado. “A cultura da região não mudou muito nos últimos anos e, mesmo empresas com um grande faturamento, acabam não investindo adequadamente em comunicação”, justifica.

Oscar Mafessoni – Diretor de planejamento da Forza Comunicação

Proximidade favorece os negócios
De Santa Maria, a Oigalê Publicidade, além de atender clientes do mesmo município, presta serviços para empresas sediadas em Rosário do Sul, Cacequi e Dom Pedrito, mas já teve em seu portfólio clientes da capital gaúcha, de Caxias do Sul e até do Uruguai. Hoje, mais de 50% das demandas da Oigalê são voltadas para a comunicação digital.

Quando abriu a agência, o sócio-administrador, João Felipe Alende, encontrou um mercado “bem fechado”. “Poucos empresários acreditavam no potencial de novas agencias e dos novos profissionais da publicidade”, lembra.

Além disso, era comum que serviços de comunicação fossem contratados por empresas grandes. “Isso já mudou aqui em nosso mercado. As pequenas e novas empresas já procuram agências com mais frequência que antigamente, não é algo tão distante da realidade.”

E a procura pelas agências locais também tem ganhado projeção. Alende comenta que a contratação dos serviços varia de acordo com a visão da empresa, o tamanho do projeto e a verba que as organizações estão dispostas a investir em publicidade. “Mas percebemos muito em nosso mercado a procura por agências da própria região.”

João Felipe Alende – Sócio-administrador da Oigalê

Ponderando entre dificuldades e oportunidades de atuar no Interior, ele avalia que o ponto negativo é a falta de reconhecimento da importância do trabalho realizado. “Infelizmente, ainda somos tratados por muitos como um serviço que qualquer pessoa sem estudo na área pode realizar ou como uma simples brincadeira de desenhos”, critica sobre a percepção em relação aos serviços de designer.

Entretanto, ele reconhece que a proximidade com o cliente faz com que a agência ganhe a confiança das empresas. “Assim, aumentamos muito a nossa chance de boas indicações e novos trabalhos.”

Empresa da Serra se expande para a Capital
O paulista André Lima mora na serra gaúcha há 15 anos, região que escolheu para empreender no mercado publicitário. À frente da Batuca, fundada em 2012, ele cita que a região conta com uma grande quantidade de empresas, o que motivou os planos de abertura da agência. “Desenhamos a Batuca pensando nas empresas regionais, mas que eram atendidas por agências que não eram locais.”

André Lima – Sócio e diretor da Agência Batuca

A entrada no mercado deu certo. “Com o passar do tempo, fomos consolidando o DNA criativo na região.” Com uma equipe composta por profissionais vindos de diferentes regiões do país, a agência fortificou a relação entre as pessoas, e isso fez com que se tornasse mais competitiva, avalia. Hoje, eles já atendem clientes que, antes, tinham contas em agências instaladas em grandes centros.

“As agências mais regionais conhecem mais a realidade do mercado do ponto de vista de verba. É um mercado menor, então, a gente acaba tendo que entregar muito mais com menos recursos”, analisa. Mas é por conseguir compreender esse cenário que as agências locais conseguem se projetar durante períodos de dificuldade financeira.

“A Batuca cresceu muito no período de crise, justamente por conseguir entregar um trabalho de qualidade com preço do mercado do interior”, destaca. A expansão resultou na abertura de uma filial em Porto Alegre, há oito meses. “Temos uma equipe menor na capital, são cinco pessoas nesse time, mas que fazem uma troca muito grande com a equipe de Bento Gonçalves (sede da agência).”

O objetivo inicial da instalação de um escritório em Porto Alegre foi promover um intercâmbio entre profissionais da Capital e do Interior, além de aumentar a proximidade com clientes instalados na cidade. “Foi um movimento natural para a gente. Nos consolidamos muito rápido na Serra e seria o próximo passo.”

Lima conta que a intenção também é “entender o quanto conseguimos replicar o modelo de negócio”. A atuação no Interior somada ao perfil da Batuca – uma agência jovem, multicultural e que já nasceu em um mercado digital – consolidam uma proposta de atendimento que leva em consideração as necessidades e potencialidades dos clientes para oferecer serviços sob medida.

“O mercado do interior é menos burocrático, mais de guerrilha”, cita “Fomos aprendendo até junto com o cliente, fazendo junto com ele.” A vantagem de atuar em mercados menores é a de estar mais disponível para os clientes, destaca. Para crescer, é necessário pensar grande e saber se vender bem. “Nós somos nosso cliente mais difícil”, brinca.

“Estamos concorrendo em duas categorias do Prêmio Share ao lado de marcas como Google e Boticário”, enfatiza. “Tratar a marca como uma marca relevante foi fundamental para o crescimento da Batuca.”

Fonte: revistapress