Dizem que os grandes homens não morrem. Ao contrário, transformam-se em mitos. Sobrevivem sempre; quando não raro, em forma de lendas, as mais imaginosas que acalentam nossa saudade, frutificam em nosso espírito e servem, muitas vezes para explicar o inexplicável, o misterioso, o irreal.
Comenta-se, numa dessa lendas, (em terras argentinas), que Carlos Gardel não morreu; mas sofreu um horrível desastre automobilístico que marcou seu rosto de maneira tão disforme, que o cantor nunca mais teve coragem de apresentar-se em público, e, hoje, anonimamente, canta sob a proteção de uma máscara facial e luz negra, nas boates e cafés empoeirados nos arredores de Buenos Aires, a “La Cumparsita”, e outros sucessos que tanto encantavam multidões na década de 50.
O mesmo se fala de John Kennedy, que paralítico pelos ferimentos de Dallas, “vive” enclausurado numa Ilha do Caribe, alheio ao mundo em seu redor, longe dos problemas que tanto o preocuparam nos anos 60.
Verdade ou mentira, lenda ou não, os fatos que acontecem com personagens célebres quase sempre entram para o campo que vai da mitologia ao pouco provável, mas tem o sabor de dar uma conotação diferente à realidade.
Assim foi, também, com Hubert Lindelauf, o mais brasileiro de todos os alemães. Aportou em Itaperuna muito jovem, criou um estilo progressista numa época em que subsistia a idéia de que o pároco devia manter-se afastado do povo, pois só assim preservaria sua santidade! Era preciso uma “quase clausura” para despertar no povo a imagem da mística e da respeitabilidade.
Lindelauf, não. Arregaçou as mangas, passou a construir igrejas, a remodelar pensamentos, a planificar obras sociais. Com o carisma dos líderes e a credibilidade do padre, foi edificando obras e corações numa autêntica harmonia entre as coisas do céu e as necessidades da terra, que tanta discussão ainda hoje assola os teólogos, esquecidos que, na simplicidade das fórmulas, encontra-se solução dos mais intricados problemas. É o “Pêndulo” de que já proclamou a versão cinematográfica da vida.
É no equilíbrio, não estático, que se encontra a harmonia do universo.
Egocêntrico, como fora Jesus em sua pregação, construiu belezas, sem deixar rivais.
Penetrou tão fundo na alma itaperunense que praticamente nada se fazia de grande na cidade sem consultá-lo.
“Várias vezes o vi debruçado em livros de cálculos, planejando o local da estátua do Cristo Redendor, para fixá-la num local íngreme, que pudesse ser visto por todos os ângulos da cidade!”
A matemática era sua paixão, o que não impedia de dedilhar o piano ou escrever estórias para crianças e tomar chope na inauguração de um bar.
A versatilidade do homem; a austeridade de professor; a inovocação do padre em seu ministério, tudo parecia se encaixar harmonicamente no homem, às vezes rude como um leão e dócil como um carneiro.
Tinha uma singularidade de passar da cólera à mansidão, numa rapidez extraordinária. O que mansamente assustava e enobrecia os que o cercavam.
Mas os anos não passa, à toa. Veio o progresso, os problemas se avolumaram, a exigência dos tempos modernos para com o homem e a solicitude da população, queria de seu líder mais e mais, sem descontar a parcela do limite humano de todos, mesmo os mais talentosos; e, Lindelauf não resistiu. Foi “procurar sua floresta” como na lenda bávara, que consigna “os pássaros nascidos na floresta germânica, quando pressentem a morte, para lá voam a fim de repousarem tranqüilos nos arredores dos ninhos que nasceram”.
Lenda, mito, fértil imaginação. Mas assim foi com HUBERT LINDELAUF.
* o autor é professor e advogado em Itaperuna-RJ
Membro da Academia Itaperunense de Letras, ocupando a cadeira de nº 14 que tem como patrono Humbert Lindelauf, e como referência nacional Alceu Amoroso Lima (“Tristão de Atayde”).