- Há 30 anos, mais precisamente em fevereiro de 1988, Dr. Laercio Andrade, escreveu uma crônica sobre o Rio Muriaé. Ficamos Honrados quando recebemos a mensagem de resposta que dizia: “Amigo Boechat. Segue a crônica sobre o Rio Muriaé, que foi originalmente publicada pelo JBN. Autorizo republicação.”
- Nós da Redação do JBN, sugerimos que todos os Itaperunenses, natos e os de coração, leiam, reflitam e sensibilizem seus familiares, amigos e sua rede de contatos.
Anteontem, fui estuprado em meu leito por mais um caminhão de entulho, e meus “defensores” nada fizeram!…Ontem fui agredido com muitos cestos de lixo.
Hoje roubaram mais areia, fruto de meu paciente trabalho de longos anos…
Envenenaram recentemente meu corpo, poluindo todo o meu ser com mercúrio de uma aurífera e perdulária ganância!
Encontrei, temporariamente, um defensor que os homens chamam de Ministério público, que evitou minha liquidação rápida e de meu amigo Itabapoana, expulsando garimpeiros violadores.Traficaram com as terras de minha margem!
Isso tudo, sem falar no quase centenário despejo de dejetos (esgotos, lamas, subprodutos de indústrias, pústulas de hospitais e animais putrefatos), que suporto em nome do “progresso” das cidades que banho. Uma (Muriaé) tem até meu nome; outra (Laje do Muriaé) me imita.
Muros, pontes e construções me desafiam cotidianamente.‘As vezes penso porque fazem isso comigo, se trago VIDA, ofertando água de meu corpo e alimentação para muita gente ingrata (maus pescadores!) que matam meus amigos peixinhos com bombas e arapucas infernais.
Até gases já usam!…
Que seriam desses “caras” sem mim? Será que não manjam isso? Ou é a suprema ignorância dos ignorantes?…
Quando alio-me às chuvas e me revolto em forma de enchentes, vejo as sacadas contra mim toda espécie de calúnias, injúrias e difamações possíveis.
Sirvo, nessas épocas, de bode expiatório para gastarem mais verbas públicas nas “calamidades” com “minha agressão”, quando o objetivo é apenas limpar meu leito.
Sou obrigado a ouvir besteiras como:
“É preciso fazer um dique neste rio!”
“É necessário diminuir-lhe o leito e murar-lhe as margens!”
“Por que não rebaixam esse rio para mais facilmente ser dominado?”
“Tirem-lhe as ilhas!…”
Tudo isso para uma solução tão fácil: bastaria o respeito mútuo. Eu correria pelos caminhos que a natureza me deu ofertando tudo que tenho, sem nada pedir de volta.
Já repararam que caminho sempre em frente ?
Não me dão direito nem ‘a legítima defesa da VIDA! Quero um júri verdadeiramente popular!Pessoas, presumivelmente cultas, me enaltecem de manhã e me violam à noite.
Dupla personalidade humana!
Grossa hipocrisia tenho que assistir!…
Até o chamado poder público cria “amigos” para mim com nomes esquisitos de “CECA”, “SERLA”, DE “FEEMA” etc. para me “proteger”, mas pouco fazem por mim.
Crio até problema jurídico. Até hoje não sei se sou Federal, Estadual ou Municipal. Cada órgão me rejeita à medida que protesto e peço proteção.
Por tudo isso não queria ser “inanimado”, como dizem os homens que me circundam!…
Tenho mais vida e mais inteligência e sou mais compreensivo com eles do que eles comigo e com suas próximas gerações.
Corro para o mar, que é grande! As pessoas fazem coisas pequenas!…
Estou certo de que para mim só me restam poucos anos de vida…
Minha suprema vingança será no dia em que eu faltar. Então, sedentos, muito “seres animados” pouco durarão.
Mas restará, certamente, minha amiga chuva (mesmo um pouco ácida!), para escrever o meu epitáfio no cemitério pedregoso e fétido, povoado de outras aves de rapina:
“DEU VIDA A QUEM SO´ TRABALHOU PELA SUA MORTE”.
(Homenagem crítica de um itaperunense ao meio ambiente, aos rios brasileiros, e, em particular, ao rio Muriaé que banha Itaperuna-RJ).
Itaperuna, fevereiro, 1988.
“Membro da Academia Itaperunense de Letras”