Aumenta incidência de câncer de estômago em jovens adultos
Hábitos alimentares e hereditariedade são fatores de risco na faixa de idade do prefeito Bruno Covas
O perfil dos pacientes e a incidência de câncer de estômago está mudando nos últimos anos no país, segundo especialistas. Hábitos alimentares inadequados influenciam nesse cenário e o tratamento isolado de sintomas relacionados a diversas doenças, como refluxos gástricos e gastrite, dificulta o diagnóstico em fases iniciais, evitando a descoberta antes que a doença se espalhe por outras partes do corpo. Anualmente, 21.230 novos casos devem ser detectados, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Acompanhando o cenário de outras enfermidades no trato gastrointestinal, como o câncer colorretal, adultos cada vez mais jovens, na faixa de 40 anos e geralmente com histórico familiar, têm sido acometidos. Dessa forma, a realização de exames preventivos – entre eles, a endoscopia – e a adoção de uma vida mais saudável são fundamentais.
O oncologista Roberto Gil, do Grupo Oncoclínicas e integrante do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais, explica que, no Brasil, tem prevalecido o câncer proximal – localizado na junção esôfago-gástrica –, como o que foi identificado no prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morto aos 41 anos. Um dos tratamentos para prolongar a vida de pacientes com câncer metastático é a imunoterapia, um dos maiores avanços recentes em termos de tratamento.
Confira abaixo mais esclarecimentos sobre o câncer de estômago, em análise feita pelo oncologista:
Quais são os novos tratamentos e medicamentos indicados para esses casos de adenocarcinomas gástricos?
Roberto Gil: Houve muito tempo sem grandes avanços no tratamento do câncer de estômago quando a doença já perdeu a possibilidade de tratamento curativo local e se tornou metastática, ou seja, quando já foi para outros órgãos e outras estruturas do corpo como o peritônio (membrana que reveste órgãos abdominais). Ao conseguirmos estudar o perfil molecular dos tumores, terapias foram desenvolvidas para tratar essas alterações moleculares, o que a gente chama de terapia-alvo e, recentemente, tivemos avanço nesse sentido, com marcadores específicos em que, por meio de remédios para essas alterações, conseguimos resultados muito bons. A imunoterapia revolucionou o tratamento de tumores metastáticos, permitindo sobrevidas muito longas que até então não tínhamos obtido com os tratamentos empregados. Associando à quimioterapia, temos conseguido respostas ainda melhores. Antes, só tínhamos a quimioterapia, que dava um tempo médio de sobrevida de aproximadamente 12 meses para cerca de 50% dos pacientes com metástase. Em casos excepcionais, os pacientes vivem bem além disso, e, em outros, não conseguimos muitas respostas.
Sabemos há algum tempo que esses tumores podem expressar uma proteína chamada HER2 e identificamos benefícios de associar uma droga anti-HER2 à quimioterapia. Isso foi decisivo para ultrapassarmos a marca do um ano de sobrevida. Porém, só recentemente e com novas drogas que ainda não estão liberadas no Brasil mas devem chegar a curto prazo que foi possível conseguir respostas imunes adicionais para o paciente com expressão dessa proteína e até pacientes que não tinham essa expressão tão intensa, o que parece ser uma nova possibilidade de maior benefício para esses pacientes.
Houve avanços também no diagnóstico desse tipo de câncer?
Roberto Gil: Ainda convivemos com a dificuldade de estabelecer diagnóstico na média complexidade, quando o paciente apresenta sintomas e muitas vezes faz tratamento como se fosse uma gastrite ou não tratam infecções com H. Pylori. E sabemos que isso aumenta a incidência do câncer de estômago. Há um atraso de diagnóstico por sintomas serem atribuídos a questões mais leves, mais fáceis de tratar. Isso pode dar tempo para a doença ir para outros lugares. Vemos com frequência isso acontecer tanto no sistema público quanto privado.
O perfil de pacientes com câncer no trato digestivo tem mudado?
Roberto Gil: Realmente, estamos detectando pacientes mais jovens, abaixo de 40 anos, com adenocarcinoma de estômago ou de intestino. Isso certamente vem com hábitos da sociedade. Mas sempre que vemos um paciente tão jovem, como o prefeito Bruno Covas, pensamos na possibilidade de câncer hereditário. Isso é algo que temos que ter em mente, além de buscar
a determinação de alterações em genes nas células germinativas que determinam o perfil hereditário da doença.
Existem famílias em que a mutação genética é expressa e temos alterações. Nesse caso, a gente chega a recomendar gastrectomias preventivas, ou seja, a retirada do estômago como prevenção diante da possibilidade desse câncer ocorrer em pacientes jovens. E o câncer de estômago é uma doença bastante grave. Normalmente, ele se dissemina precocemente.
Houve mudanças também no comportamento da doença?
Roberto Gil: Há tipos diferentes de câncer de estômago. Pode aparecer na região final do órgão, que chamamos de câncer distal, ou câncer na junção entre o esôfago e o estômago, chamado de proximal. O câncer distal era o mais comum, relacionado a fatores alimentares, conservação de alimentos, ingestão de carnes salgadas, ausência de refrigeração para manutenção das carnes. Ao longo do tempo, esses fatores de risco foram diminuindo, não homogeneamente em todos o mundo, como em países asiáticos, onde a presença desse câncer ainda é muito significativa. Em outros lugares do mundo, temos visto maior ocorrência de câncer proximal. A obesidade, o aumento de uso de bomba de prótons, e o uso demasiado de tratamentos como pantoprazol/omeprazol fez aumentar, provavelmente, a incidência de refluxo e isso pode ser um gerador do câncer proximal.
Que mudanças no estilo de vida podem influenciar na incidência desses tipos de tumor?
Roberto Gil: A alimentação industrializada tem contribuído muito para o aumento da incidência de câncer em geral e especificamente nos que atingem o trato gastrintestinal. Nós precisamos voltar para comida de fogão, preparada em casa. É claro que na vida moderna é difícil, mas, certamente, estamos vivendo momentos de maior frequência do câncer baseado nesses hábitos. Não são apenas conservantes nos alimentos. O uso de agrotóxicos é outro grande problema no Brasil, país que libera uma série deles que já são condenados no mundo inteiro.
Precisamos buscar também a prevenção, além do diagnóstico precoce, mudando a alimentação, com exercício físico, evitando a utilização de agrotóxicos sabidamente permissivos à saúde, bem como a ingestão frequente de alimentos embutidos e industrializados. Tudo isso deve ser levado em consideração.
Como prevenir?
Roberto Gil: Pessoas com histórico familiar podem consultar especialistas em onco-genética que avaliam melhor o caso e determinam como deve ser feita pesquisa de mutações específicas que conduzem a um diagnóstico de uma síndrome hereditária e toda uma linha de cuidados preventivos para pacientes.
Na nossa população, não temos capacidade de fazer rastreamento preventivo, como em países como Japão e Coreia, que examinam até pessoas assintomáticas e efetivamente conseguiram salvar vidas.
É preciso olhar para a prevenção, se não vamos ter uma inviabilidade do sistema, porque todas as conquistas que a gente tem tido em termos de incorporação de tecnologia são muito dispendiosas. Mesmo o sistema privado não tem a garantia de sustentabilidade pelo aumento crescente dos gastos com os tratamentos, pois a imunoterapia é extremamente cara e a incorporação da tecnologia para a saúde não passa pelos mesmos processos que para outros setores em que aumento do consumo representa diminuição do preço. Temos visto o aumento de indicações da imunoterapia sem aumento do preço e isso tem trazido grandes problemas para a saúde pública, onde não foi incorporada ainda, e para a saúde suplementar, com dificuldade de sustentabilidade das operadoras de saúde.